Olga Tessari

Síndrome da Garagem

Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari

*Veja indicação de outros textos para leitura ou vídeos no final da página

Mulheres com carro e carteira de habilitação não conseguem driblar o medo de dirigir 

Fausta chora desesperadamente abraçada a um Ford do século passado. Exagero de novela, é claro. A mulher do chapelão é apenas um personagem da dramática novela Cidadão Brasileiro, mas sua intérprete também mantém uma delicada relação com automóveis. Lucélia Santos não dirige. 

Quem assiste às gravações da novela sabe que a atriz da Record só aparece guiando carrões antigos porque os mais fortinhos rapazes da produção empurram o veículo para simular o movimento. "Vou aprender um dia. Todo mundo dirige. Me sinto como se nadasse de carruagem. Se pudesse, faria tudo de bicicleta. Tenho medo de me expor ao trânsito", confessa a atriz. 

Assim como Lucélia, dezenas de brasileiras enfrentam diariamente um inimigo de quatro rodas. Cerca de 80% delas têm carteira de motorista, mas não conseguem nem virar a chave ao volante. 

Essa fobia é tão comum que a Psicóloga Olga Tessari decidiu montar turmas de terapia em seu consultório para atender a demanda. Além disso, criou um projeto em parceria com uma concessionária para orientar gratuitamente pessoas com medo de dirigir. Trata-se do projeto Dirija a sua Vida Sem Medo, nome também de um livro educativo escrito por Olga. 

Profissionalmente atuante na área desde 1984, Olga conta que a fobia, batizada pelos psicólogos como 'Síndrome da Garagem', atinge mais mulheres do que homens. "Mulheres têm menos medo de procurar ajuda, elas representam 90% dos pacientes. Destas, apenas 10% passaram por algum acidente ou trauma que pudesse justificar tanto medo", conta. 

Se experiências traumáticas não justificam o pânico ao volante, qual seria a causa? 

"Essa é uma questão ligada aos traços da personalidade. Geralmente, a pessoa com medo de dirigir é muito perfeccionista, tem medo de errar e está sempre preocupada com a opinião dos outros. É a típica pessoa que queima a camisa passando roupa, joga-a fora e vai correndo comprar outra para que ninguém descubra. Imagine no trânsito? Todo mundo faz alguma bobeira ao volante", diz Olga Tessari. 

Foi justamente o pavor de provocar acidentes que levou a pedagoga Sandra Jacqueline Barbosa a passar 14 anos a pé. "Tinha medo de prejudicar alguém, medo do que pensariam se eu fizesse 'barbeiragem'. Em 2004, meu marido começou a viajar muito a trabalho e tornou-se necessário que eu aprendesse a dirigir. Tinha de levar as filhas à escola, ao dentista... Precisava fazer as compras da casa, trabalhar. Moro em Brasília, longe do centro. Já não havia como depender de ônibus", conta. 

Ao contrário de Sandra, a contadora Gisele de Brito, de 23 anos, ainda não conseguiu exorcizar os fantasmas do estacionamento. Tem carro e carta de habilitação há mais de um ano, mas não tira o veículo da garagem. Por causa da fobia, leva uma hora e meia de ônibus até ao trabalho, trajeto que faria em 15 minutos se dirigisse. "Ganharia tempo e também poderia economizar com a perua escolar da filha. Além disso, é constrangedor pedir carona ao marido todo dia", diz. 

Cara a cara : perguntas e respostas 

Olga Tessari, psicóloga, psicoterapeuta e autora do livro 'Dirija sua Vida Sem Medo' responde: 

É possível definir um perfil de quem sofre do medo de dirigir? 

Olga Tessari: A maioria absoluta dos pacientes, cerca de 90%, é formada por mulheres. No geral, as mulheres que procuram tratamento são aquelas entre 30 e 40 anos, que têm filhos, trabalham e precisam muito do carro. Existem duas situações típicas: a pessoa que compra o carro e o mantém na garagem e a mulher que ganha o carro do marido mas não tem coragem de guiar. Na verdade, muitos maridos boicotam inconscientemente a mulher. 

É como se o marido não quisesse a independência da mulher? 

Olga Tessari: Muitos homens agem assim e não percebem. Alguns se sentem ameaçados e inseguros porque sabem que não é possível controlar os passos de uma mulher que dirige. Certos homens até acompanham suas mulheres ao consultório, mas só imaginam a independência delas para ir ao mercado ou a casa da mãe. Passeios com amigas e idas ao shopping podem soar como ameaça. 

Por que as mulheres são as principais vítimas? 

Olga Tessari:No geral, a pessoa que tem medo de dirigir já tentou superar o pavor e não conseguiu. Ela está com a auto-estima baixa e teme ser ridicularizada pelos outros. No caso do homem, expor essa fragilidade é mais complicado. Os poucos que procuram ajuda o fazem em sigilo, com receio. Muitos preferem inventar desculpas convincentes para justificar o medo de dirigir. É mais fácil dizer: 'prefiro ir para o trabalho de ônibus porque posso ler durante o trajeto.' Ou ainda: 'quero voltar de carona porque assim posso ter uma boa interação social'. Conheço gente que recusou emprego porque o local era distante e o medo de dirigir até lá era grande demais. 

Matéria publicada no Jornal da Tarde e na Tribuna de Mato Grosso por Giuliana Reginato em 21/06/2006

Outros textos disponíveis para leitura: 

Medo de Dirigir -  Amigos/Grupos -  Ansiedade - Problemas de Relacionamento - Medos - Pais e Filhos - Autoestima - Depressão

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