Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari
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O problema pode levar a doenças graves como síndrome do pânico e depressão
Em meio a tantas obrigações do dia-a-dia, fica difícil encontrar
tempo para prestar atenção na saúde.
O resultado desse amontoado de compromissos é um só: o estresse. Ele
surge quando se ultrapassa os próprios limites e se vai além do que
o organismo consegue suportar, desrespeitando as necessidades físicas e
psicológicas do corpo.
Diante desse desequilíbrio, não tardam a aparecer manifestações de
alerta, cujo sinal mais evidente é a elevação do nível de ansiedade. Dela
resultam dificuldades de concentração, irritabilidade, mau humor, problemas
de memória, impaciência, medos irracionais, insegurança e baixa autoestima.
Além disso, o corpo reclama por meio de sintomas físicos como taquicardia,
tremores, suores, palpitações e falta de ar.
O perigo aumenta quando nada é feito.
Se mantida nesse nível por um longo período, essa ansiedade pode levar
à síndrome do pânico e à depressão.
É por isso que vem crescendo a procura por terapias alternativas, medicina
ayurvédica, práticas de relaxamento, meditação e tratamento psicológico.
"Não é a correria do cotidiano em si que leva as pessoas a procurarem
esse caminho, mas as consequências. É o estresse provocado pela falta
de equilíbrio e de respeito ao organismo, que invariavelmente traz muitos
outros problemas de saúde", comenta a psicóloga Olga Tessari.
Meu nome é trabalho!
Eles vivem um cotidiano extremamente agitado e mal têm tempo para a vida
pessoal e uma boa noite de sono. Mesmo assim, são felizes e não pensam
em largar essa vida tão cedo – embora reconheçam que têm deixado muita
coisa passar em branco.
O publicitário Rodrigo Zannin, 24 anos, tem no trabalho seu principal
foco. "Como o mercado publicitário é extremamente apressado e imprevisível,
é comum, pelo menos uma vez por semana, o trabalho passar da meia-noite.
Mesmo assim, ainda chego em casa, cuido dos e-mails, atualizo o site da
banda [Lazy Dog], mantenho meu blog e cuido de assuntos pessoais", conta.
Ficar sempre ocupado não deixa de ser uma opção para ele. "Estou há seis
anos sem férias. Tive boas oportunidades de trabalho, o que me fez
deixar as férias de lado. Sei que uma hora vou cansar, mas quando isso
acontecer, quero poder ter dinheiro e tranquilidade para aproveitar. O
reconhecimento profissional e até mesmo uma cerveja com amigos são muito
mais saborosos, porque são conquistados com muito esforço. Mas se pudesse
pelo menos dormir um pouco mais ou pegar uma época de recesso das bandas
e clientes da agência em férias, já seria muito bom", diz.
A jornalista e produtora de TV Raphaela Rodrigues, 24 anos, lamenta
o fato de não ter muito tempo livre. "Às vezes não consigo nem fazer as
unhas, o que parece um pouco superficial, mas cuidados básicos são muito
importantes na minha profissão. Com a correria, me habituei a dormir pouco,
a fazer tudo correndo, o que é um problema. Rola uma falta de sincronia
com o resto das pessoas, inclusive com meus amigos. Quando se tem que correr
com tudo, se adquire uma forma muito rápida de pensar e dialogar, que eles
não acompanham".
Ela confessa que gostaria de ter mais tempo livre. "Adoraria poder
dormir mais, sair mais, passar mais tempo com minha família. Mas é muito
utópico falar em diminuir o ritmo quando se está atrás de uma meta. Certamente,
quando atingi-la e puder diminuir a velocidade, eu o farei. Sinto que tenho
aproveitado bem o tempo. Sabe quando você trabalha por dezesseis horas
em um dia e o programa que você produz fica em segundo lugar na audiência
por quarenta minutos? Isso compensa qualquer esforço".
O web designer e produtor musical Rodrigo Medeiros, 20 anos, sente que,
apesar de gostar do que faz, sua vida pessoal é prejudicada por causa
de suas atividades. "Por conta da flexibilidade dos horários que tenho,
ainda assim consigo organizar o tempo para sair e me divertir. Se você
não fizer isso, entra em curto-circuito mesmo!". Relaxar é preciso A vida
é curta e o tempo voa. Ainda assim, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio
entre as necessidades pessoais e profissionais.
Quem se joga de cabeça no trabalho, segundo a psicóloga, pode acabar
como as pessoas que sonham com a chegada da aposentadoria, esperando que
seus sonhos e desejos reprimidos ao longo da vida sejam satisfeitos quando
se aposentarem, pois terão mais tempo disponível para isso. Mas, quando
chegam lá, percebem que estão doentes, perderam os amigos, e o casamento
e os filhos estão distantes.
O pior é saber que não há como voltar atrás para resgatar o convívio que
se perdeu ao longo dos anos. Reservar um tempo na agenda para as pequenas
coisas da vida, como jantar com amigos, namorar no escurinho do cinema,
fazer uma rápida viagem no final de semana, passar algumas horas jogando
conversa fora com a família, brincar com os filhos...
Tudo isso tem um saldo bastante positivo. "Penso que o verdadeiro
status é a satisfação interior, o amor próprio, poder ter e manter um bom
relacionamento com as pessoas. Este é o maior legado que a vida pode nos
proporcionar", opina Olga Tessari. Além de ajudar a refrescar a cabeça
e aumentar a produtividade, esse precioso tempo fora do trabalho ainda
pode ser motivo de ótimas recordações no futuro.
Então, por que não tentar?
Eles decidiram parar
Eles viviam na correria e adoravam a rotina agitada. Estavam sempre a
mil para dar conta de todos os compromissos e, ao fim do dia, ter
a confortante sensação do "dever cumprido". Mas, por motivos diversos,
resolveram mudar de vida.
É o caso do médico Mauro Kioshi, de 28 anos. "Desde 2002, quando
me formei, até o início de 2005, minha rotina era bastante corrida. Fazia
plantões de doze horas em prontos-socorros, quatro a cinco vezes por semana.
Em 2005, parei de trabalhar por causa da piora de uma doença. Mesmo tendo
de deixar para trás a dura rotina dos médicos, ainda ocupo bastante meu
tempo", conta. Hoje Mauro faz aulas de esgrima, musculação, power yoga
e spinning e acredita ter encontrado equilíbrio. "O tempo que passei em
casa por causa da doença me fez refletir sobre o estilo de vida que levava
e o que ganhei nesses anos de trabalho, tanto financeiramente quanto em
termos de crescimento pessoal. E percebi que não compensa".
A jornalista Fernanda Braga, 32 anos, tinha uma rotina estressante
no jornal em que trabalhava. "Era um corre-corre que não parava nunca.
Fiquei meses sem ver meus amigos e sem conviver com minha família. Se,
por um lado eu tinha a compensação financeira, por outro eu perdia o contato
com as pessoas que faziam parte da minha vida", conta. Depois de alguns
anos, ela foi para a área de assessoria de imprensa, pensando que teria
uma vida mais calma. "Continuei trabalhando mais horas do que deveria e
dedicando minhas poucas horas livres a outras atividades, como cursos de
idiomas e pós-graduação. Meus namoros nunca duravam muito, e quando conseguia
um dia de folga, só pensava em dormir. Vivia cansada, mas adorava o que
fazia. Tanto que às vezes nem tirava férias; seguia trabalhando, pois achava
que era indispensável e insubstituível", lembra. As coisas começaram a
mudar no final de 2004, quando ela teve síndrome do pânico. "Estava tão
estressada, tão ansiosa, que meu organismo começou a se manifestar. Com
medo de piorar, pedi férias. Comecei um tratamento e aproveitei para avaliar
minhas prioridades. Decidi que era hora de mudar de vida. Passei a frequentar
academia, a fazer aulas de ioga e pilates, a ter mais tempo para mim. Hoje,
trabalho com traduções, em casa, no meu ritmo. Pode até ser que um dia
eu volte a atuar na minha área, mas já está decidido: correria, nunca mais."
Corrida contra o tempo
As 24 horas de um dia parecem cada vez mais insuficientes para tantos
afazeres Vida, louca vida. Quem está no mercado de trabalho – principalmente
nas grandes cidades - sabe muito bem o que é uma rotina corrida. Basta
tocar o despertador, pela manhã, para que comece um dia totalmente acelerado,
repleto de compromissos, que toma todo o tempo e não tem hora para acabar.
Além da extrema pressão para um bom desempenho no trabalho, tentamos encontrar
uma brecha na agenda para hobbies, diversão, convivência com a família
e com os amigos, namorar e descansar. Para muitas dessas pessoas, um dia
de 24 horas é pouco para tantos afazeres. O resultado: além do extremo
cansaço, a sensação de que a vida está passando e aproveitá-la, que é bom,
necas!
Se antes o excesso de trabalho e atividades era restrito a executivos,
hoje é cada vez mais comum encontrar jovens cujas agendas vivem sobrecarregadas.
Raphaela Rodrigues, jornalista e produtora de TV, é um exemplo dessa turma.
Aos 24 anos, trabalha, em média, doze horas por dia, durante a semana,
e mais cinco aos domingos. E não reclama quando é escalada para trabalhar
aos sábados. "Às vezes noto que minha vida pessoal é prejudicada por causa
do trabalho. Ao mesmo tempo, penso que estou no começo da carreira, que
esta é a hora de ralar bastante e tentar me estabelecer no mercado", analisa.
Mas ela também vê o lado negativo: "O maior problema é a falta de convivência
com minha família. Meu namorado reclama que tenho pouco tempo para ele,
mas torce por mim mais do que qualquer outra pessoa", conta ela, que mora
com a mãe mas só consegue vê-la nos finais de semana.
Outro maratonista diário é Rodrigo Medeiros, 20 anos. Pela manhã, estagia
em uma empresa de desenvolvimento de software como web designer; à
tarde e à noite, quando precisa, faz freelances como designer de interface
e arquiteto da informação. No final da tarde, segue para o núcleo de pesquisa
da faculdade, onde emenda com as aulas. À noite, continua os trabalhos
da produtora, que podem ir até a madrugada. "Se acabar cedo, ainda dou
uma olhada nos freelas antes de dormir. No outro dia, começa tudo de novo",
revela.
Vida pessoal x vida profissional
Tanta correria se justifica pela alta competitividade do mercado, que
gera muitas exigências, como constante atualização, mais anos de estudo,
desenvolvimento de novas habilidades, flexibilidade diante de desafios,
capacidade de desempenhar múltiplas tarefas e dedicação total ao trabalho.
Além do medo do desemprego, essas pessoas ainda convivem com a obrigação
de desempenhar funções que antes caberiam a, no mínimo, duas ou três pessoas.
Isso, somado à extrema canseira que dá depois do expediente, faz com que
outros aspectos da vida, como os relacionamentos amorosos, pessoais e familiares,
fiquem em segundo plano.
"Há sofrimento, porque ao mesmo tempo em que se dedicam ao trabalho, esses
indivíduos querem manter seus relacionamentos. Apesar da falta de
tempo, desejam que as pessoas sejam compreensivas em relação à sua ausência
e não entendem porque elas se afastam ou exigem sua presença de forma mais
constante. Essa situação gera conflitos, cobranças e mal-estar nas relações",
aponta a psicóloga Olga Tessari. Para ela, o importante é saber administrar
o tempo, pois o que importa é a qualidade. "De que adianta passar horas
ao lado das pessoas se não há interação e diálogo entre elas?", questiona.
O médico Mauro Kioshi, 28 anos, afirma que já sofreu bastante com as relações
amorosas. "Tive relacionamentos estragados pela rotina corrida. Não
só por minha culpa, mas também pela rotina de minhas ex-namoradas. Essa
correria vem acontecendo com todo mundo. Mal vejo meus amigos e eles também
mal saem da rotina trabalho-vida conjugal ou trabalho-faculdade".
Dormir? Como assim?
Nessa incessante corrida contra o tempo, não há quem não tenha, entre
os maiores sonhos de consumo, uma boa e reparadora noite de sono. Que o
diga o publicitário Rodrigo Zannin, 24 anos. "Infelizmente não durmo porque
gosto, e sim porque preciso. Me habituei a viver bem, sem cansaço, com
seis horas de sono por noite", afirma. Rodrigo diz que tudo fica muito
corrido, se considerar o tempo que passa no trânsito, trabalho, reuniões
com as bandas [ele é produtor/empresário da banda Flaming Moe e vocalista
da Lazy Dog, de São Paulo, ambas de rock independente], ensaios, shows,
divulgação, lazer, entre outros. "Se alguma dessas partes não sai como
o previsto, é preciso ter jogo de cintura pra não perder a calma. Finais
de semana são lotados e o lazer entra nos intervalos. A única coisa de
que faço questão é acordar bem tarde no sábado e no domingo. É quando eu
recarrego a bateria", comenta. A falta de tempo até para dormir é uma constante.
Porém, o neurologista Luciano Pinto Ribeiro Junior, do Instituto
do Sono da Universidade Federal de São Paulo [Unifesp], chama a atenção
para o fato de que a privação crônica de sono pode comprometer diversas
funções físicas e mentais. "Se a falta de boas horas de sono virar um hábito,
pode haver queda na imunidade, na concentração, na atenção e na memória,
comprometimento do aprendizado e até da secreção de hormônios, como o do
crescimento", enumera. Pessoas que dormem pouco têm, ainda, maior tendência
à obesidade e ao envelhecimento precoce. A quantidade de horas, segundo
o médico, é uma característica individual. "Em média as pessoas precisam
de oito horas de sono. Entretanto, quem trabalha demais tende a repor as
horas perdidas de sono nos finais de semana. O correto é procurar atender
às necessidades do nosso organismo, dormindo uma quantidade de horas adequada
todas as noites", recomenda.
Motivações
Mas o que leva essas pessoas a mergulharem no trabalho, a deixar a vida
pessoal em segundo plano e a enfrentar uma rotina estressante? Para
uns, a maior motivação é a realização profissional, somada à necessidade
de sobrevivência num mercado bastante seletivo. Para outros são as novas
necessidades de consumo. Segundo Olga Tessari, na medida em que essas necessidades
são criadas, é preciso mais trabalho para arcar com os custos desses desejos
que, na maioria das vezes, são supérfluos. "Se essas pessoas não considerassem
que ter status é mais importante do que ser feliz, poderiam muito bem ter
um convívio maior com a família e com os amigos e estabelecer um relacionamento
mais profundo e prazeroso", pontua. Para ela, existe uma falsa crença de
que só é possível ser amado, feliz e ter bons relacionamentos se a pessoa
mantiver um determinado status. "E lá vai ela, trabalhar cada vez mais,
em busca desse objetivo. É por isso que a maioria dos viciados em trabalho
sente que a vida está passando e que não está sendo possível aproveitá-la",
ressalta a psicóloga.
Matéria publicada no site Paradoxo por Ana Luiza Silveira em 09/08/2006
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