Olga Tessari

Mais louca é quem me diz

Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari

*Veja indicação de outros textos para leitura ou vídeos no final da página

Frases aparentemente absurdas, sentimentos sem fundamento, preocupações excessivas, um amor que você não consegue medir? 

Ah, é que você é mãe... 

O quarto está lindo, do jeito que você sonhou. O tom amarelo, o berço de imbuia, tudo combinando. Seu filho já mamou e dorme, de ladinho, como se fosse um anjo. Ai, quanta paz. 

Mas, de repente, um pensamento: 'Será que ele está feliz aqui comigo?'. Aí você se dá conta de que ele tem 3 meses de vida e, provavelmente, se estiver alimentado e com a fralda limpa, tudo deve estar dentro dos parâmetros que ele conhece para definir bem-estar... 

Os anos passam e você olha seu filho todos os dias achando que o amor que sente é tão intenso que não será capaz de aguentar. Como se toda a proteção possível ou tudo que tiver de melhor no mundo não fosse suficiente. 

Difícil mesmo é enxergar o limite da razão. Cada uma à sua loucura, frequentemente as mães são perdoadas por sentimentos sem sentidos. 

A atriz Denise Fraga diz que o amor chega a doer. A produtora Suzana Villas Boas imagina a emoção no dia da formatura do filho sem nunca ter se importado com tradições. A atriz Graziella Moretto quase se atracou com uma criança que empurrava sua filha. A administradora de empresa Judith Brito travou um combate contra todos os micróbios que poderiam estar perto do seu bebê. A cenógrafa Vera Oliveira quer preparar seu menino para um futuro do planeta nada promissor. A designer Laura Guimarães fantasia sua filha liderando uma banda de rock. A publicitária Juliana Passos, depois de transitar pela pedagogia e a homeopatia, está pronta para se especializar em algum assunto de interesse de sua filha. 

Cada uma com sua gostosa maluquice, o exagero de cuidado ou de desejo tem a franqueza de sentimentos que só a maternidade pode provocar. Se é para agradar aos filhos, as mães esperam, no mínimo, o máximo. 

Como nossas mães 

A mulher de hoje planeja a maternidade para mais tarde, prefere se estabilizar na carreira profissional antes e, se tiver sorte, escolher melhor o pai da criança. Isso é uma tendência que todo mundo ouve - e escreve - bastante. Outra tecla muito batida é que os papéis na família estão em constante mudança e hoje cada um tem a chance de desenhar melhor o seu modelo dentro de casa. Junto disso, essa mulher mais antenada com o mundo, ávida por informações, talvez também tenha passado anos enfrentando tudo e todos em nome de posicionamentos e atitudes ditas mais modernas. Ou mais: colecionar comentários irônicos sobre o modo de ser das amigas que foram mães antes de você. 

Quando a maternidade chega, eis a surpresa: dia a dia você nota que está ficando igualzinha, sem tirar nem pôr, à sua mãe. A produtora de cinema Suzana Villas Boas, mãe de João Pedro, de 5 anos, fica boquiaberta com as próprias frases e pensamentos. Cada vez mais, ela tem certeza de que toda mulher enlouquece a partir do nascimento do filho. Para ela, todas são loucas, mas umas se controlam, outras não. Exagero ou não, o maior exercício para ela é parar para refletir. 'Faço de tudo para ser controlada, mas, muitas vezes me pego falando coisas absurdas', reconhece. No auge de seus 40 anos, tinha até vergonha de comentar o que pensava. Filha de uma família que ela intitula como 'careta', sempre negou as formalidades e, por isso, se sentia diferente. Qual não foi a surpresa dela, quando, amamentando o recém-nascido João, imaginou a emoção que seria ver o filho na formatura da faculdade, o choro na platéia, o coração cheio de orgulho. 'Parece que vem à mente, algo que não é racional, não tem nada que ver com você ou com o que planejou. São coisas que de alguma maneira estavam lá escondidas e você não sabia', tenta teorizar Suzana. Com uma vida típica da família moderna - ela com muito trabalho e o menino com uma vida composta de escola, amigos e atividades extracurriculares -, a produtora não se conforma em agir baseada na superproteção ou na caretice de mãe que toda a vida ela achou bobagem. Bem aqui para nós, ela contou um segredo: até ciúme de uma 'namoradinha' dele ela já sentiu! 'Me vejo repetindo frases da minha avó, da minha mãe, até da minha bisavó! É uma coisa maluca de achar que a criança só está bem se estiver grudada em você, mesmo sabendo que isso não é verdade. E a briga está aí: como é possível se relacionar com essa contradição, essa coisa própria da maternidade de ser meio bicho, de intuição, de puro instinto?'. 

O mundo é pouco 

É da natureza humana achar que tudo que é 'seu' é mais importante. Para a psicoterapeuta Olga Inês Tessari, a mãe começa a prestar atenção em tudo que faz parte do universo de um filho e, claro, faz disso o centro de seus desejos. Denise Fraga, atriz e colunista da CRESCER, nunca se importou com os comentários pessimistas do tipo 'oh, você tem coragem de colocar um filho em um mundo cheio de desgraças como o de hoje?'. Por uma razão muito simples: 'Pode ser pretensão, mas eu nunca tive esse medo porque sempre achei que seria bom para o mundo o meu filho chegar'. Mãe de Nino, de 8 anos, ela reforçou a idéia com a vinda de Pedro, 6. A explicação para o sentimento nada modesto é muito clara: para Denise, ser mãe é entender a razão da própria existência. 'É para isso que você serve em primeiro lugar: para perpetuar a espécie', diz ela, brincando de coisa séria. 'E o que vem com toda essa encrenca é tão emocionante que eu e o Luiz (Villaça, diretor de televisão) ficamos completamente deslumbrados. Porque ter uma criança por perto e vê-la crescer é perceber a vida. Uma mão aumentando, ele aprendendo coisas novas todos os dias. E aí você passa a rever tudo que está à sua volta.' 

Adicione a esse caldo o instinto materno e a cobrança social, que fazem a mãe acreditar que precisa ser perfeita. 'Tudo depende do objetivo dessa mulher com a maternidade. Fará toda a diferença se ela quer um filho para viver o mundo ou um filho para mostrar para o mundo', diz Olga Tessari. É fundamental perceber isso muito bem, até para poder controlar a culpa. Se você se cobrar demais, nada será mesmo suficiente. 

Nessa paranoia toda, claro, entram as previsões do futuro. Quer mais compromisso com o amanhã do que ver seu filho crescer e imaginar como será a vida dele? O escritor paraibano e radicado em Recife, Ariano Suassuna, definiu certa vez que ter filhos é bom e ter netos é tão bom quanto. 'É uma forma de imortalidade.' Esse poder que soa como se sua vida tivesse sido esticada foi sentido profundamente pela cenógrafa Vera Oliveira. O nascimento de Raduan, hoje com 5 anos, deu a ela a mesma sensação de dever cumprido de Denise. Ela se classificada como uma mãe desencanada, mas encontrou uma neurose na conversa com a reportagem: o futuro do planeta. 'Eu não pensava tanto nisso antes. Hoje sou preocupada, acho que a água vai acabar e o mundo vai ser uma zona. Então, digo a ele para aproveitar bastante a vida e aprender muito, pois só se darão bem as pessoas muito corajosas', prevê Vera. 

Para a publicitária mineira Juliana Sampaio, no entanto, a chegada de Alice, há cinco anos, renovou suas esperanças. 'Sou mais otimista, acredito que o mundo de hoje também coleciona avanços e espero que ela possa desfrutar de todos eles', diz. Segundo ela, a criação do blog http://mothern.blogspot.com - sobre o cotidiano das mães -, em parceria com a designer Laura Guimarães, mãe de Nina, 9 anos, e Gabriela, de 6 anos, fomentou uma busca maior por informações sobre criar filhos. Ela usa o autodidatismo para buscar uma 'especialização' em todos os assuntos que envolvam Alice. 'Primeiro foi homeopatia, que eu antes só sabia que existia. Agora meu mais novo estudo é a pedagogia. Me apaixonei pelo fato de ter tanta gente buscando novas formas de ensinar.' 

As mudanças em Laura também não foram poucas. Primeiro, assumiu seu lado forno e fogão. 'Não dava a mínima e agora virou necessidade. No fim, descobri o prazer de preparar um prato bem gostoso para a família.' Depois, percebeu que o futuro das filhas ganhou outros contornos. Embora ciente da tendência de as mulheres adiarem a maternidade ou terem outros tipo de relacionamentos e estilos de vida, ela assume um desejo muito secreto: o de ser avó. 'Não que eu fique sonhando com isso, mas foi natural pensar em netos', ri de si mesma. Outro pensamento que ela define como uma 'viagem gostosa', começou quando Nina decidiu que quer ser cantora quando crescer. 'Eu fico vendo a Pitty e a Fernanda Takai na televisão e penso: será?'. 

Emoções demais 

A administradora de empresa Judith Brito, mãe de João, de 24 anos, e que repetiu a dose com Mateus, há quatro, tinha tantas dessas loucuras na cabeça que resolveu colocar em um livro, em forma de crônicas, lançado este ano com o título de Mãe é Mãe (Editora PubliFolha). Ela se deu conta de que as angústias eram tão comuns que valia a pena dividir. Em um dos trechos, diz que mulheres que pariram filhos são seres enlouquecidos. 'Eu me senti a própria galinha choca, dessas que saem cacarejando e bicando quem se aproxima do ninho. O primeiro sintoma é a síndrome de micróbio. Algumas mães enxergam por toda parte, como se tivessem microscópios acoplados o tempo todo aos olhos, numa espécie de transtorno obsessivo-compulsivo exclusivamente voltado ao bebê. Lembro-me de ter passado dias esterilizando e fervendo tudo quando João nasceu, por pouco não pulei eu própria dentro do caldeirão.' Judith revela que a parte mais gostosa do livro foi a manifestação de mães. 'Elas me escrevem dizendo 'eu também pirei'. Porque dá mesmo uma necessidade de ser super mulher. Essa paranóia dos micróbios não tinha nada que ver comigo. Eu não sou assim! Parece que andamos com um holofote em cima do filho. E nos permitimos conclusões como 'o meu filho é o melhor ator do teatro da escola'. É um coração batendo fora da gente.' 

Também autora de um livro sobre a maternidade - Onde Vende o Manual (Editora Panda Books) -, a atriz Graziella Moretto dias atrás experimentou a leoa que existe nela. A racionalidade ficou de lado e ela pensou mesmo foi no bem-estar da pequena Nina, que acaba de completar 2 anos. A menina estava brincando em um local público, quando um garoto, de 5 anos, começou a empurrá-la. 'Tentei tirá-la de perto dele, porque era daqueles assumidamente malcriados. Mas ele continuou empurrando e, quando vi, fui pra cima dele dizendo 'ei, garoto, qual é a sua?'. De igual para igual, eu e uma criança, olha que loucura! Ia perder a razão completamente', diz Graziella, inconformada com sua reação. 'Vem daquilo que pensei na primeira cólica da Nina: era somente a primeira dor dela na vida, ainda virão as decepções, a prova de matemática... e só de ver um filho com dor é um sofrimento...' 

Denise Fraga diz que está em um processo diário de diminuir esses sentimentos malucos para deixar a culpa de lado. 'Quando você vê outras crianças da mesma idade, é inevitável comparar. Me pego pensando: 'Será que eu tinha que incentivá-lo a usar mais o computador? Ele quase não usa'. Ou: 'Ah, meu Deus, eu nunca fiz um piquenique no Jardim Botânico!'. Para a terapeuta familiar Iara Monteiro de Castro, do Instituto para o Cuidado da Família, de Londrina (PR), não há como prever a própria maternidade. 'É uma transformação muito grande e o impacto depende de como ela se preparou para esse momento.' Se há solução para essas loucuras? Que tal contar para alguém e dar muita risada? 

Matéria publicada na Revista Crescer - Ed Globo por Cristiane Rogério - Edição 144 - outubro/2005

Outros textos disponíveis para leitura: 

Mulher -  Adolescência -  Amigos/Grupos -  Ansiedade - Problemas de Relacionamento - Medos - Pais e Filhos - Autoestima - Depressão

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