Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari
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Medo de ser traído
Numa relação amorosa, o medo de ser traído é tão natural
e antigo que alguns especialistas falam em "programação genética do ser
humano para evitar a infidelidade". E garantem que até o homem de tempos
ancestrais sentia ciúme.
Se antes uma namorada desconfiada fuçava nos bolsos,
nos canhotos de cheques e nas roupas do companheiro em busca de provas
e evidências de uma traição, hoje os ciumentos têm mais uma importante
aliada: a tecnologia. Listas de contatos, e-mails, caixa de mensagens do
celular e portais de relacionamento como "Orkut" e "Facebook" são pratos
cheios para a curiosidade dos inseguros.
Mas quando um dos dois devassa
a privacidade do outro, a relação quase sempre se desgasta. O romance pode
acabar e gerar muita mágoa, decepção e tristeza.
Virar investigador da
própria relação, segundo estudiosos, não é uma boa saída. Para o psicólogo
Jorge Antônio Nogueira, especialista em terapia familiar, verificar e-mails
e celulares e contratar detetive em busca de confirmação de infidelidade
é o caminho mais curto para o fim do casamento. "O que restará será um
indivíduo sozinho, separado, mas com a sensação de dever cumprido", resume.
Mesmo que a pessoa encontre indícios de traição, trazer as evidências à
tona pode gerar discussões desgastantes e desnecessárias. Principalmente
se, depois disso, o suposto traído perdoar o infiel. Para Jorge, o medo da
traição é diferente entre homens e mulheres. "Na mulher, existe precaução
para evitar que o homem se apaixone por outra e vá embora, o que, em épocas
remotas, poderia causar a morte da mulher e da prole. No macho humano,
essa precaução, programada geneticamente, está voltada para evitar que
ele cuide do filho de outro homem, fruto de uma traição. O medo e as reações
a uma infidelidade no casamento são muitos fortes porque, para ambos os
sexos, a traição poderia acarretar o fim genealógico de um indivíduo",
explica.
Por outro lado, garante Jorge, ciúme e infidelidade andam juntos
quase sempre. E por isso não há fórmulas simples para lidar com essas condições
humanas. Mas há algumas tentativas de evitar brigas e decepções. "Saber
que todas as pessoas podem sentir ciúme, desde que haja um fator desencadeante
(o surgimento de uma antiga namorada de adolescência, por exemplo) pode
fazer com que o parceiro evite se expor", comenta.
A atendente Laura Rossi
de Souza, de 25 anos, é casada há 5. No casamento dela, praticamente não
existe privacidade. "Todas as nossas senhas são as mesmas, de e-mail, conta
bancária, tudo. Vira e mexe, trocamos os chips de nossos celulares. Todos
os nossos amigos são os mesmos e um ajuda o outro a resolver tudo, então,
precisamos ter tudo em conjunto", explica. Desconfiança é palavra que não
existe na relação de Laura. Se ela nota que há algum número de telefone
desconhecido no celular do marido, nem chega a ficar insegura. "Eu pergunto
de quem é, por curiosidade mesmo, e geralmente é do banco ou de alguma
empresa. Nem passa pela minha cabeça que seja outra mulher", finaliza.
Já
a estudante Carla*, de 22, não teve a mesma sorte. Chegou a terminar um
namoro por causa de uma espionagem na internet. "Estava muito desconfiada
e resolvi buscar provas. Descobri a senha, acessei a página dele no "Orkut"
e vi um depoimento bem suspeito, que uma menina tinha deixado lá", conta.
Ao questionar o ex-namorado, os dois discutiram. Ele se sentiu invadido,
e ela, traída. Terminaram e hoje o ex-namorado dela namora a moça do recado
suspeito. Ali havia algo errado mesmo.
Isso é bastante comum, segundo a
psicóloga Olga Tessari. "Quando alguém comprometido arruma uma segunda
pessoa existe um conflito interno. O sentimento de culpa acaba surgindo.
Mudanças de comportamento e até de personalidade são os primeiros sinais
de que uma relação não está harmoniosa. Quem trai dá sinais, deixa rastros
e se entrega, mesmo que inconscientemente", analisa. Boa parte dos casos
de espionagem eletrônica, entretanto, é desconfiança gratuita. E algumas
pessoas ultrapassam o limite do ciúme normal e atingem o grau de patologia.
É preciso estar atento, pois essa fronteira pode ser bem sutil.
O psiquiatra
Geraldo Ballone garante que, em questões de ciúme, a linha que divide imaginação,
fantasia, crença e certeza pode ser vaga e imprecisa. "No ciúme, as dúvidas
podem se transformar em idéias supervalorizadas ou até delirantes, e a
pessoa sente um impulso forte de verificar as dúvidas. Os ciumentos estão
em constante busca de evidências e confissões que confirmem as suspeitas
mas, ainda que confirmada pelo companheiro, essa inquisição permanente
traz mais dúvidas, em vez de paz."
O chamado "ciúme patológico" – ou doentio
– se caracteriza pelo desejo de controle total sobre os sentimentos e comportamento
do parceiro. O amor do outro é sempre questionado e o medo da perda é constante.
Já numa relação considerada "normal", o medo não é prioridade e o amor
não é questionado o tempo todo. A médica Célia Bezerra resume o ciumento
doentio: "A pessoa que sofre deste mal está sempre à procura de confirmações
para as suspeitas por meio de confissões que nunca a deixam satisfeita
porque sempre surgem novas dúvidas. O ciumento vive um eterno sofrimento,
experimenta o estresse, o descontrole emocional, terminando por causar
um tremendo clima de tensão e desajuste familiar."
Esse tipo de ciúme exagerado
é conhecido como "Síndrome de Otelo", em referência ao personagem de William
Shakespeare que desconfiava tanto da mulher, Desdêmona, que acabou matando
a esposa mesmo sem provas da infidelidade dela. Na peça há uma personagem
que diz que o ciúme "é um monstro de olhos verdes".
Todo cuidado é pouco
com os monstros disfarçados de galãs.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada
Matéria publicada no Jornal Folha Universal – Ed.893 por Juliana Vilas
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