Olga Tessari

Quando a filha vira mãe da mãe

Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari

*Veja indicação de outros textos para leitura ou vídeos no final da página

Independentes e bem mais maduras que as mulheres que as colocaram no mundo, elas se viram para colocar ordem na família

Nicole Geigner, 27 anos, ainda era um bebê quando estampou na pele o seu primeiro bronzeado. Sua mãe, a organizadora de eventos Patrícia Lobo, tinha 20 anos ao dar à luz e, para não ficar por fora dos programas com as amigas, carregava a filha para todos os lugares que freqüentava – o que incluía as praias do litoral paulista. "A família conta que, naquele dia, eu voltei para casa parecendo um pimentão", lembra Nicole, bem-humorada. "Minha avó deu uma bronca na minha mãe e ameaçou cuidar de mim até que ela crescesse." O problema é que Patrícia, 49 anos, não cresceu até hoje. Já Nicole ganhou maturidade cedo e trocou de papel com a mãe. Como Patrícia é super desligada, cabe à filha cuidar da vida financeira materna (há dez anos as duas têm uma conta-corrente conjunta na qual é Patrícia quem aparece como dependente). Até o início deste ano, antes de Nicole sair de casa, ela também era responsável pelas compras e pela manutenção do apartamento que dividia com a mãe. "E eu ainda ligava irritada para a minha filha, cobrando a falta de papel higiênico", confessa Patrícia, dando risada. "Minha mãe é meio criançona", diverte-se a filha-mãe. "Fazer o quê?" 

Encontrar garotas que são mães da própria mãe é mais comum nas famílias formadas por mulheres que engravidaram na adolescência. Ou naquelas em que a mãe se separou do marido depois de anos dedicados a ele e aos filhos – período durante o qual ela se esqueceu de ter vida própria. "Nesses dois casos, a mulher resolve tirar o atraso, se divertir", explica a psicóloga Olga Inês Tessari, autora do livro Dirija Sua Vida sem Medo. "De certa forma, ela teve sua juventude comprometida." O aumento da expectativa de vida também colabora para que as diferenças entre as gerações sejam bem menos marcantes hoje em dia. "Até a década de 1960, uma mulher de 40 anos era considerada uma senhora", lembra Olga. "Hoje, ela é vista como super jovem e às vezes até freqüenta as mesmas baladas que os filhos." 

Cuidando do irmão 

Cair no samba com Rita de Oliveira, 45, é o único aspecto positivo de ser mãe da própria mãe na opinião da estudante de publicidade e modelo Radidja Munhoz, 18. Até os 10 anos, enquanto morou com Rita (hoje ela vive com o pai), Radidja passou por situações bem complicadas. A mãe teve quatro namorados sérios e todos foram morar com a família, formada também por outras duas crianças. "Um dos caras veio com quatro filhos e eu não me dava bem com nenhum. Era um inferno, mas minha mãe nem ligava", diz Radidja. Nessa época, Rita tinha uma vida social bem agitada. Saía toda sexta-feira com o namorado e às vezes só voltava no domingo. "Eu tinha uns 6 anos e ficava lá, no meio de sete crianças, tentando cuidar do meu irmão mais novo, de 3." Rita confirma a história. "Nessa época eu estava meio louca. Passei por muitos períodos difíceis nessa vida", justifica, para depois comemorar: "Ainda bem que eu tenho uma filha ajuizada. Radidja me dá ótimos conselhos". 

Jeito independente 

Obrigadas a crescer antes da hora, muitas mães-filhas conquistam um jeito independente de ser. A estudante Anna Carolina Salim, 18, trabalha desde os 14 para ajudar nas despesas domésticas e, por isso, sabe muito bem dar valor a cada tostão que ganha. Sua mãe, Beth Salim, 41, sempre viveu de bicos. "Me lembro da cena: minha mãe se despedindo de mim, porque ia para a balada, e eu me preparando para dormir, porque tinha de trabalhar cedo", diz Carol. Beth é tão baladeira que acabou ficando amiga dos amigos da filha – as duas saem sempre juntas. "Não me identifico com gente da minha faixa etária, prefiro os jovens", diz Beth. "Inclusive para namorar!", dispara ela, antes de soltar uma gargalhada. Carol, a filha, faz cara de censura e declara: "Adoro a companhia da minha mãe, mas às vezes ela bebe demais e fala muitas besteiras, conta intimidades sexuais... Eu dou toques, falo que pega mal para ela. É meio constrangedor." 

Carência 

Ser carente de mãe é outro traço comum às filhas que precisam tomar conta de quem as colocou no mundo. "Quando eu parava para pensar na relação que as minhas amigas tinham com as mães delas, ficava bem triste", conta Radidja. "E aí começava a procurar uma mãe na mãe dos outros. Várias mães alheias meio que me adotaram." Já Nicole sentia falta de chegar em casa e encontrar comida quentinha. "Eu sonhava que a minha mãe um dia me ligaria para perguntar: 'Filha, o que você gostaria de comer hoje?'." Nicole acabou virando chef de cozinha e hoje comanda as panelas e a administração de um bufê que pertence à sua família. Além de tudo, ela é chefe da própria mãe, que trabalha como sua assistente. Se ser mãe é padecer no paraíso, ser mãe da mãe é padecer muito mais. 

Matéria publicada na Revista Gloss, Ed Abril por Nádia Heisler

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