Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari
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Pedofilia
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) existe para protegê-los,
a sociedade reprova os atos contrários, as pessoas possuem discursos
longos e severos contra a prática de pedofilia. Mesmo assim, a cada dia
que passa o número de casos registrados eleva-se e crianças e adolescentes
se perdem em meio aos abusos cometidos pelos adultos. A pedofilia refere-se
à atração sexual de crianças e adolescentes.
A classificação internacional das doenças classifica a pedofilia como
um dos transtornos de preferência sexual e uma doença quase que exclusiva
dos homens. O indivíduo deve ter mais de 16 e ser cinco anos mais velho
que sua vítima para se caracterizar o caso.
Para se ter uma idéia, desde 1997 a Associação Brasileira Multiprofissional
de Proteção a Infância e à Adolescência (Abrapia) possui desde 1997
um telefone para denúncias sobre violência sexual contra crianças e adolescentes,
através do número 0800-99-0500. Entre fevereiro daquele ano e o mesmo mês
de 2003, foram registradas 55.706 ligações, com 5.070 definindo-se como
denúncias corretas. Desse total, 63% consistem em abuso sexual e 37% em
exploração sexual. No caso do abuso, 40% acontecia fora da família, mas
60% verificou-se dentro da família (pai, padrasto, tio).
E é na família que são contadas as piores histórias. É o caso de
Cristina (nome fictício), 17, que começou a ser abusada sexualmente por
seu pai com oito anos de idade. Ela relata que seu pai costumava abusá-la
das mais variadas formas quando não havia ninguém em casa e dizia que ela
não devia contar para ninguém, senão ele ia deixar de gostar da filha.
Cristina conta que na adolescência ela passou a fugir dos desejos
do pai, porém ele começou a bater na moça e ameaçá-la, caso contasse para
sua mãe. "Eu achava tudo aquilo (sexo) muito nojento, tentava não fazer.
Eu tinha muito medo do meu pai e do que ele fosse capaz de fazer comigo,
por isso acabava consentindo e fazendo", conta.
Seu pai não a deixava sair de casa, ter amigos. Até que um dia, uma
amiga de sala que achava estranho o comportamento de Cristina – tão apagado
e sempre com alguma desculpa para não passear com as colegas – notou uma
mancha preta no corpo da garota e fez Cristina contar toda a história.
Ambas levaram o caso até a orientadora da escola que tentou ajudar e acabou
por mudar o rumo daquela jovem.
"Minha mãe não acreditou em nada do que a orientadora disse, dizia que
eu era uma vagabunda e que ficava tentando o meu pai. Ela me botou
para fora de casa, fui morar com minha tia que também achava que eu era
a culpada. As pessoas da família toda me olhavam esquisito, eu queria morrer",
diz Cristina.
Essa situação é comum, segundo a psicóloga e psicoterapeuta Olga Tessari,
pois os familiares costumam omitir-se ao problema e defendem o adulto.
"A família deveria ser totalmente solidária à criança, uma vez que ela
é um ser em formação ainda, que não sabe se defender e que muitas vezes
ainda nem tem idéia definida do que seja sedução ou sexualidade",considera.
Após o episódio, Cristina fugiu de casa e rumou para São Paulo para tentar
vida nova, até que encontrou uma mulher que lhe deu assistência, moradia
e a encaminhou para uma psicóloga para tentar superar esse trauma. "Não
consigo namorar, pois tenho muito nojo que alguém encoste em mim. Morro
de inveja de minhas amigas", coloca.
Tessari afirma que essa aversão ao sexo oposto é algo também normal
de acontecer na vítima de pedofilia, que passa a ver o sexo como um ato
repulsivo. "Um tratamento psicológico é fundamental para que a pessoa reveja
suas crenças e conceitos a respeito da sexualidade, aprender que sexo é
algo que faz parte da natureza humana e que pode sim trazer muito prazer",
acredita.
Outra recomendação da psicóloga é que a vítima seja afastada do convívio
familiar, pois, as crianças "dificilmente" retornam à família e optam
por iniciar uma nova vida. "Vejo que minha vida tomou um rumo totalmente
diferente por causa disso tudo e acho que todas as meninas que passam por
esse problema devem denunciar sem medo das conseqüências, porque eu sei
o sofrimento que elas passam com o pai que não está sendo um pai de verdade",
finaliza Cristina.
Nota da Redação:A pedido da entrevistada, seu nome, bem como
o local onde tudo aconteceu foram omitidos da reportagem.
É preciso coragem
Para entender a pedofilia é necessário compreendê-la sob vários pontos
de vista, desde o agressor até o da vítima, passando pela família, que
muitas vezes se omite nesses casos e vai contra a criança que sofre o abuso
sexual.
Com esse objetivo entrevistamos a psicóloga e psicoterapeuta Olga
Tessari, que vai esmiuçar em detalhes o que acontece com a pessoa violentada
e as conseqüências disso em seu desenvolvimento. Ela também explica se
há relação de um pedófilo com sua infância e dá um recado a quem já foi
vítima disso.
Confira os principais trechos da conversa feita por email.
Site Padre Marcelo Rossi– O que leva uma pessoa a abusar sexualmente
de uma criança/adolescente?
Dra. Olga Tessari:As explicações para este tipo de comportamento são
várias: pode ser uma pessoa que apresenta uma dificuldade em relacionar-se
sexualmente com adultos, que se sente insegura e ansiosa diante desta situação
e que, na relação com as crianças sente que tem o controle e o poder em
suas mãos. Muitas vezes, a figura da criança tem um valor emocional muito
grande para o agressor e ela satisfaz algumas de suas necessidades psicológicas,
como por exemplo, sua imaturidade emocional, sua baixa autoestima, seu
desejo de ter o controle sobre suas mãos, etc...
Site Pe. Marcelo– O fato de um adulto vir a cometer isso pode
ter ligação a algum trauma quando criança?
Dra. Olga Tessari: Alguns pedófilos foram vítimas de abuso sexual
em sua infância e aprenderam, erroneamente, que este tipo de comportamento
traz prazer para o adulto. Então, quando eles se tornam adultos, eles supõem
que seu prazer sexual será maior e mais intenso se mantiverem relações
com uma criança.
Site Pe. Marcelo– Por outro lado, a pessoa que sofre isso na infância
pode vir a ser um pedófilo na maioridade?
Dra. Olga Tessari:Nem toda pessoa que sofreu de abuso sexual
na infância torna-se um pedófilo na idade adulta. Pelo contrário, na maioria
dos casos, crianças que sofrem abuso sexual e não tem seu desenvolvimento
sexual de forma natural e saudável são adultos com muitas dificuldades
em manter relações sexuais ou mesmo de confiar nas pessoas de uma forma
geral, tornando-se pessoas inseguras e muito ansiosas, sempre fugindo de
situações onde possam estar a sós com alguém do sexo oposto.
Site Pe. Marcelo Rossi– E quando esse abuso ocorre dentro de
casa, por um padrasto, tio, pai, etc?
Dra. Olga Tessari:É muito comum a mãe não acreditar que o seu
marido seja um pedófilo e incutir a culpa do ato do marido na criança,
como se ela houvesse provocado este adulto para o ato sexual. Em geral,
quem denuncia o pedófilo é um vizinho ou um amigo que percebe o comportamento
estranho da criança.
Site Pe. Marcelo– Há alguma forma de perceber isso?
Dra. Olga Tessari:É importante estar atento ao comportamento da criança
diante de seu pai, tio, etc. Se ela evita de ficar perto desses homens
ou mesmo tem uma expressão de medo diante deles, deve-se ficar atento e
tentar fazer o flagrante quando pai e filha estiverem a sós. Muitas vezes
a criança começa a chorar quando a mãe vai sair, implora que ela fique
em casa, tem um comportamento desesperado quando percebe que vai ficar
sozinha com o homem.
Site Pe. Marcelo– É possível superar tal trauma?
Dra. Olga Tessari:É difícil porque, se a criança não pode confiar
em seus pais, vai confiar em quem? Mas o tratamento psicológico é
fundamental e na medida em que ele avança, a criança/adolescente vai superando
este trauma e consegue chegar a ter uma vida normal. É importante que o
tratamento seja feito até o final, mesmo que seja longo.
Site Pe. Marcelo– Qual recado que você pode dar a uma adolescente
que tenha sofrido abuso sexual?
Dra. Olga Tessari:Não tenha medo de denunciar a pessoa que abusou
sexualmente de você, ela é uma pessoa doente e precisa de tratamento e
você é a vítima, embora sua família possa dizer o contrário, que você é
a culpada de ter seduzido a pessoa! Você vai passar por maus momentos a
princípio, mas no final, vai agradecer a si mesma por se livrar do fardo
de se sujeitar aos caprichos de uma pessoa insana. Matéria publicada no
site do Padre Marcelo por Rodrigo Herrero em 2004
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