Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari
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Nômades?
Lembra das aulas de História, quando ouvíamos falar dos povos nômades,
que circulavam de região para região, sempre à procura do melhor lugar
para fixar suas residências e aproveitar os recursos naturais? Pois é. Apesar
da evolução das civilizações e do abandono desse costume, ainda podemos
encontrar por aí gente moderna que vive exatamente assim: pulando de galho
em galho ao longo da vida. São famílias inteiras movendo-se para lá e para
cá, trocando de bairro, cidade e até de país, só que por um motivo diferente:
o trabalho dos pais. O resultado, às vezes, pode ser não ser bem
o desejado, mas não dá pra negar que tem, sim, um gostinho de aventura.
Por conta do emprego do pai, a administradora Paula Torchin se tornou
uma representante típica de uma moderna família nômade. E olha que os destinos
foram bem ecléticos. Nas onze vezes em que se mudou, a família fez as malas
para diversos cantos do Brasil, com direito a escala no exterior. "Nasci
no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Depois, fomos para o Leblon,
onde moramos em dois lugares. De lá, toca pro interior do Pará. Em seguida,
embarcamos para Vitória, onde também vivemos em dois apartamentos, em bairros
diferentes. Logo depois, meu pai foi chamado para trabalhar durante um
ano na Califórnia, então lá fomos nós. Quando retornamos, seguimos novamente
para Vitória e, depois, decidimos morar outra vez no Rio de Janeiro, pela
segunda vez em dois bairros diferentes. Fazendo as contas, foi praticamente
uma mudança a cada dois anos!", diz ela, que hoje está na França, longe
da família. Haja fôlego, não?
Sair de casa para viver num lugar desconhecido sempre dá um frio
na espinha, mas não foi bem assim que Paula se sentiu. Na verdade, para
ela, as mudanças eram motivo de diversão. "Sempre adorei me mudar. Uma
das melhores sensações, para mim, é poder entrar na nova casa e ficar pensando
onde entrarão os móveis, onde será o meu canto preferido... Adoro dar uma
geral nos armários, doar roupas e objetos. Gosto de colocar tudo nas caixas,
etiquetar, depois abrir uma a uma no novo lar. O prazer da descoberta,
de imaginar como tudo será, me fascina e acaba me fazendo esquecer o medo",
confessa ela, que não deixa de manter contato com os amigos que acabou
deixando para trás. "Troquei cartas com muita gente que fez parte da minha
vida, durante todos esses anos. Tenho contato até com uma menina que fez
comigo o maternal!", revela.
E mudar de casa não é nem um pouco fácil. Afinal de contas, dá uma
trabalheira danada: é preciso desfazer toda a decoração, jogar quilos de
coisas fora, organizar o que vai embora e o que será passado adiante, encaixotar
tudo... Ufa! Ainda não acabou: quando chegar à nova morada vem a tarefa
de organizar tudo, antes da abertura das caixas. Só que esse é apenas o
começo. Há muitos outros detalhes, e eles estão do lado de fora: as amizades,
os amores, a escola e a nova vida que se vai levar. A jornalista Andrea
Ribeiro sabe muito bem disso. "Eu sempre me adaptei facilmente, talvez
até por necessidade. Ficávamos em média um ano e meio em cada endereço.
Então, além de mudar muito de casa, também troquei bastante de escola.
Isso era o pior. Não tenho, por exemplo, amigos de infância. Não tinha
como me apegar aos coleguinhas de colégio ou ao pessoal da rua, porque
sabia que, a qualquer momento, eu ia embora. Era complicado, mas nada muito
traumático", diz ela.
Andrea quase não precisou sair de Curitiba para bater o recorde em
mudanças: foram 17 vezes, apenas uma para fora da cidade. Na maioria das
vezes, as decisões dependiam das condições financeiras da família. "Não
tínhamos casa própria até dois anos atrás. Minha mãe era funcionária pública,
estava sempre no mesmo emprego, mas meu pai era bancário e trocava muito
de banco, tinha sempre novas propostas para estudar. Então, à medida que
meu pai mudava de trabalho, a situação financeira também modificava, e
a gente ia mudando de casa também. E eu passei tempos alternando entre
escolas públicas e particulares. Mas a única vez em que saímos daqui foi
para passar um ano e meio em Maringá", relembra Andrea, que há um ano fez
sua estréia sozinha: saiu da casa dos pais.
Pais e filhos
Na opinião da psicóloga Olga Tessari, sucessivas mudanças de casa ou de
cidade são uma verdadeira prova de fogo para os filhos. Principalmente
no que tange às amizades e ao relacionamento afetivo. "O ser humano precisa
de um círculo de amigos, de tempo para conviver com as pessoas até que
os laços se fortaleçam. É ruim porque existe a dor da perda, de deixar
os amigos para trás. Para se inserir em um grupo novo, já formado, principalmente
na escola, é demorado", explica. Para ela, essa situação pode influenciar
o comportamento e a personalidade, pois a sociabilidade, nesses casos,
é constantemente testada. "Ou os filhos se tornam tímidos e medrosos, com
receio do que vem pela frente, ou cara-de-pau, extrovertidos e brincalhões,
esforçados em se enturmar rápido e ser aceitos pelas pessoas". Segundo
ela, há um lado excelente nessa experiência. "A pessoa aprimora o convívio
social, aprende mais sobre os outros, interage melhor, conhece novos lugares
e descobre as diferenças culturais, de valores e de comportamento", destaca.
E qual a parte que cabe aos pais nessa história toda? Será que existe
uma maneira de tranqüilizar os filhos quanto a essa vida errante? Para
Olga, a melhor saída é o diálogo. "Os pais precisam explicar o verdadeiro
motivo dessas várias mudanças. É preciso mostrar que, apesar dos aspectos
negativos e das perdas, há um mundo inteiro de descobertas pela frente.
A transição fica muito mais fácil se os filhos pensarem que pode ser uma
experiência positiva para eles", orienta.
Matéria publicada no site Bolsa de Mulher por Ana Luiza Silveira
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