Olga Tessari

Compulsivos devem procurar ajuda

Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari

*Veja indicação de outros textos para leitura ou vídeos no final da página

Quem gasta de forma descontrolada pode se tratar anonimamente em igrejas ou hospitais. 

A compulsão é uma doença, que precisa ser tratada. Tem gente que, mesmo estando com a corda no pescoço, não consegue parar de gastar. A dívida da engenheira Letícia, de 38 anos, chegou a R$ 23 mil. "Eu fazia empréstimo, para pagar outro empréstimo, que já tinha se originado do gasto excessivo. O limite da conta-corrente tinha sido ultrapassado, assim como o do cartão de crédito. Nem ao agiota podia ir mais. Foi quando me conscientizei que tinha um problema, e que precisava de ajuda", revela a engenheira. 

Letícia já havia ouvido falar do grupo Devedores Anônimos. Procurou na internet e, em 2003, começou a frequentar as reuniões semanais, que acontecem até hoje na Paróquia Santa Ifigênia e na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ambas localizadas no município de São Paulo. "Tive muitos problemas, inclusive com minha família, que achava que eu apresentava desvio de caráter, em razão do alto passivo. Com o tempo, todos perceberam que eu tinha uma doença." 

Letícia mudou radicalmente os hábitos de consumo. Ela negociou quase que totalmente as dívidas, mas ainda precisa participar das reuniões. "De vez em quando eu cometo um deslize, mas nada comparado ao que acontecia no passado. Hoje, sei que não posso ter cartão de crédito, que considero a pinga do alcoólatra. Não sei lidar com essas ferramentas de financiamento. A minha dica, para quem tem o problema, é: considere-se honesta. E procure o grupo, que não tem vínculo religioso." 

O arquiteto Júlio, de 29 anos, participa do grupo há dois anos e meio. Ele fez boa parte da dívida de R$ 15 mil em bares, restaurantes e baladas. "O irônico é que poucas coisas me davam realmente prazer. Eu gastava por compulsão, sem pensar. A prioridade tem que ser combater a causa, não os sintomas. Alguns problemas pessoais desencadearam o rombo", analisa Júlio. 

Família 

Ele alerta que as pessoas não conseguem sair sozinhas da situação – é preciso procurar ajuda. "Tive desacertos com minha família, porque até o nome da minha mãe ficou sujo em razão das minhas dívidas. Hoje faltam 40% do total para pagar. Mas os gastos atuais são feitos com planejamento." 

Um dos fundadores do grupo que funciona na Paróquia Santa Ifigênia – que quer ser chamado de Mandel –, diz que há 12 frequentadores das reuniões semanais, atualmente. "As pessoas falam e ouvem histórias que envolvem a compulsão e, por isso conseguem se ajudar. É um desabafo", detalha. 

De acordo com ele, a faixa etária dos participantes diminuiu: há quatro pessoas que estão na faixa dos 20 anos. Uma delas, de 17 anos, comparece acompanhada pela mãe. "O número de homens também cresceu. Eles agora têm coragem de admitir que passam por um problema e conseguem pedir ajuda. Há pouco tempo isso seria uma vergonha." 

Mandel diz que a melhor maneira de resumir o transtorno é a má administração do próprio dinheiro. "A maioria chega ao grupo com baixa estima, ansiosa, medrosa, sofrendo muito. Normalmente, depois da primeira reunião, as mudanças já começam a acontecer. Pelo menos alívio os integrantes sentem, e iniciam a transformação dos hábitos de consumo." Os participantes ficam, em média, seis meses no grupo. Desaparecem por um tempo, depois voltam. 

Identificação 

Outro grupo que ajuda os compradores compulsivos funciona no Hospital das Clínicas, em São Paulo. O Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Amiti), no Instituto de Psiquiatria do HC, trata pessoas com várias compulsões – entre elas, os que gastam demais. O atendimento foi iniciado em 2005. Atualmente, 40 pessoas são acompanhadas, em diferentes níveis. 

"Os interessados se identificam com as histórias que leem na imprensa, fazem contato com o HC, são examinados por médicos, psicólogos e psiquiatras, depois da triagem feita pelo telefone. Se o diagnóstico de compulsão for confirmado, o tratamento é iniciado", diz a coordenadora do grupo, Tatiana Filomensky. 

Os encontros acontecem todas as semanas. "A maioria tem por volta dos 30 anos de idade, e apresenta algum outro problema, junto com a compulsão – normalmente depressão", detalha a psicóloga. Segundo ela, essas pessoas compram porque buscam a satisfação que ameniza a angústia e os sentimentos desagradáveis. "Nesse caso, comprar vira uma dependência que dá prazer. 

Mas é possível controlar o problema. Depois de 20 sessões, o participante passa a observar a própria situação de maneira diferente", diz Tatiana. O importante, afirma ela, é a família participar do tratamento e dar suporte. "É uma bola de neve: as pessoas se sentem culpadas por comprar, mesmo com dívidas acumuladas, e começam a mentir." 

A sugestão da coordenadora para quem tem dúvida se deve ou não procurar saber o diagnóstico é: "Se o consumidor passa mais tempo comprando além do necessário, está adquirindo mais itens do que antigamente; e mente sobre a quantidade adquirida e valor das mercadorias – é melhor procurar por uma avaliação médica." 

Transtorno é uma doença antiga 

Um estudo do Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo, demonstra que o transtorno da compra compulsiva foi descrito pela primeira vez como uma síndrome psiquiátrica, no começo do século XX. Um dos resultados do trabalho indicou que trata-se de uma condição crônica, que divide características comuns com transtornos do controle do impulso. O problema pode ser chamado também de Oneomania – transtorno de comprar compulsivamente. Muitos compradores compulsivos descreveram seu comportamento, no levantamento do HC, como repetitivo, com pensamentos intrusivos sobre comprar, aos quais eles tentam resistir, sem êxito. 

A psicóloga especializada na área financeira Olga Tessari diz que a compulsão da compra deriva da ansiedade que a pessoa está vivendo. "O perfil é de gente que não consegue lidar com situações do dia a dia e acaba apresentando o transtorno. O mecanismo é o mesmo dos compulsivos em comida, em jogo, em drogas, em bebida." 

Ele detalha que os compulsivos têm medo de errar, são perfeccionistas e se preocupam muito com a opinião dos outros. "As compras representam fuga. Tenho uma paciente que, quando ela vai comprar meias, precisa levar uma de cada cor. E outro que já tinha três torradeiras. Comprou a quarta para não perder uma promoção. Quando ouvem críticas, acham que os outros estão com inveja. São pessoas que sofrem e que precisam de tratamento psicológico para vencer o problema", define a psicóloga Olga Tessari. 

Matéria publicada no Jornal Diário do Comércio por Neide Martingo em 31/10/2010

Outros textos disponíveis para leitura: 

Consumo Compulsivo: (1) - (2) - (3) - (4) - (5) - (6) - (7) - Problemas de Relacionamento - Mulher - Pais e Filhos - Adolescência - Ansiedade - Autoestima - Medos

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