Olga Tessari

Vaidade e algumas "comprinhas"

Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari

*Veja indicação de outros textos para leitura ou vídeos no final da página

O consumo descontrolado pode revelar que algo não anda bem na esfera íntima 

Roupas, sapatos, cosméticos, relógios, joias, óculos, maquiagem, perfume. Em determinadas compras, o que impera não é a necessidade, mas a compulsão e o desejo de gastar. Nesses casos, a aquisição do novo objeto pode vir acompanhada pela vontade de, quem sabe, no dia seguinte, fazer uma nova "visita" à loja preferida ou ao shopping mais próximo. 

O comportamento é típico de uma sociedade bombardeada pelos apelos de consumo, mas pode funcionar como um mecanismo de compensação para outras carências – que estão bem distantes do universo material. Também pode sinalizar que as provocações de consumo do sistema capitalista venceram o bom senso. 

Há alguns anos, a analista de sistema Rebeca Sarno, 40, encontrava alívio para a frustração, de não conseguir engravidar, nos vestidos e blusas que comprava. "Quando a médica ligava para dar a notícia, vinha um sentimento de decepção muito grande. Então, eu pegava o carro e ia ao shopping. Acho que substituía o objeto de desejo – um filho – pela peça comprada", admite. 

Os casos mais graves de consumo compulsivo, segundo psicólogos, mascaram desordens emocionais ou afetivas. Em pessoas com baixa autoestima, por exemplo, o consumo desenfreado é uma forma de fazer carinho em si mesmas. 

DESLUMBRAMENTO 

Também foi indo ao shopping e gastando o limite de alguns cartões de crédito que a dona-de-casa Janilde Passos conseguiu oferecer um alento à filha Alana, então com 16 anos, após o rompimento da menina com o primeiro namorado. "Não sabia o que fazer vendo ela chorar pelos cantos. Cheguei e disse: 'Vamos ao shopping fazer compras pra ver se você sai desse buraco'. Ela voltou para casa com outro astral", lembra. 

No caso da técnica em telecomunicações Cláudia Alvares, 37 anos, a "visita" às lojas não acontece apenas em situações-limite. "Compro toda semana alguma coisa nova, basta ter algum dinheiro na mão para eu gastar. É como um vício, não consigo controlar", confessa. A motivação, analisa ela, vem de uma sensação de deslumbramento pelos objetos desejados e do sentimento de satisfação pessoal que o ato da compra lhe proporciona: "Geralmente gasto em supérfluos. Mas quase sempre me arrependo. Primeiro porque gasto o que não posso, e segundo porque não havia necessidade de adquirir aquilo". Cláudia admite que a mania de comprar é como um vício e que, como todo vício, traz consequências indesejadas: "Minha frustração é ter sempre que adiar projetos grandes, porque fica impossível fazer economia. A impressão que tenho é que sempre busco gastar tudo o que tenho". 

VAIDADE EXTREMA 

O administrador de empresas Luis Alberto Silva (nome fictício), 31 anos, parece ser "viciado" em comprar roupas. Após perder 20 quilos com uma dieta alimentar e terminar um relacionamento de seis anos, ele admite ter entrado numa fase de vaidade extrema. O guarda-roupa dele, admite, é o melhor representante desse novo momento. "Como passei muitos anos acima do peso, não comprava as roupas que queria. Agora, mais magro, tudo fica legal. E, como estou solteiro e saindo muito, admito que pelo menos a cada 15 dias compro alguma peça nova, mesmo sem ter necessidade", diz. 

No caso do administrador, a preferência é, em 100% das compras, por peças de grife: "Pode parecer um capricho, mas é o que veste melhor em mim. O resultado é que gasto muito e agora sou chamado de rato de shopping pelos meus amigos". 

FELICIDADE 

Outra que integra o time de mulheres que fazem do shopping uma terapia, e dos objetos de desejo uma fonte de prazer, é a funcionária pública Inês Silva, 44 anos. "Não é uma coisa irresponsável, mas confesso que extrapolo um pouquinho", acredita ela. A última compra que Inês fez poderia, como tantas outras, ser evitada. "Meus filhos iam para um casamento, e eu podia dar um jeito com as roupas que eles tinham em casa, mas queria que eles fossem impecáveis. 

A verdade é que a gente sempre encontra uma justificativa para comprar", diz, contando que recentemente procurava uma sandália dourada e, quando encontrou, comprou logo duas. "Meu marido fala que é difícil me presentear. Eu digo o contrário: basta ele entrar num shopping que, para qualquer lado que ele olhar, vai me agradar. 

Por mais que eu tenha tudo, sempre surge uma coisa nova, um detalhe diferente, e a gente acaba embarcando nessa". O comportamento, acredita, tem a ver com a influência da mãe, que também é uma consumidora voraz: "Somos muito parecidas e nós concordamos que nunca devemos deixar passar as boas oportunidades". O marido dela não fica nada satisfeito com a situação e vive preocupado com o exagero. "Mas eu digo a ele que o que importa é ser feliz, e, se é isso que me traz felicidade..." 

CAMUFLAGEM SENTIMENTAL

A mania de comprar é comum a pessoas extremamente preocupadas com a opinião do outro

A psicóloga e psicoterapeuta paulista Olga Inês Tessari alerta que os consumidores compulsivos são produtos da sociedade capitalista e que, muitas vezes, essas pessoas adotam a compulsão para compensar problemas de outra ordem. 

"Para quem sofre com a baixa autoestima, por exemplo, a compra funciona como um carinho em si mesmo, uma forma de maquiar e camuflar a carência afetiva. A aquisição do objeto só faz mascarar o problema. Não resolve. Depois, a pessoa vai e compra novamente, sem atacar a causa", explica. 

Ela esclarece que o consumo desenfreado é um distúrbio de comportamento ligado à ansiedade e à preocupação extrema com a opinião dos outros: "Tem a ver com o desejo de aprovação e aceitação. É similar ao que acontece com os adolescentes que se vestem igual para se sentir pertencentes ao grupo". 

Segundo a especialista, as pessoas que compram compulsivamente não avaliam se terão condições de pagar. O compulsivo, diagnostica ela, compra porque está diante de uma oferta irresistível: "Ele se vê apertado, mas sempre acha que vai dar um jeito e compra novamente. Uma vez atendi uma pessoa que comprou um cortador de legumes porque o preço era bom, e ela sequer cozinhava", exemplifica. 

NECESSIDADE DE APROVAÇÃO 

Para o psicólogo Arthur Scarpato, o consumo compulsivo é um estado de sofrimento psicológico que precisa de atenção e cuidado profissional: "É como se a pessoa tivesse um abismo de carências que ela tenta preencher com bolsas, carros, joias, relógios etc, que nunca satisfazem porque, na verdade, não é isso que está faltando". 

O comportamento também revela um sintoma da sociedade capitalista: dar valor a partir daquilo que se tem. "Quando compro um carro de última geração, por exemplo, posso mostrá-lo aos amigos e, através do olhar deles, ser visto com os mesmos atributos do objeto: legal, moderno, de última geração...", explica ele. 

Em última instância, a busca é por reconhecimento. "Queremos ser amados e, para isto, queremos ter tudo aquilo que nos faça ser mais desejados, admirados, importantes, valorizados. O objeto de consumo tenta preencher um lugar vazio em nós: o lugar que gostaríamos de ver ocupado pelo amor", diagnostica. 

Promessa de felicidade 

O consumidor descontrolado também age sob a influência dos apelos capitalistas, representados, acima de tudo, por campanhas publicitárias que situam produtos como passaportes para a felicidade. É um tipo de comunicação que transcende, explicitamente, a informação sobre a utilidade real do objeto. 

"Muito mais do que o próprio produto, as campanhas vendem realização, felicidade, prazer", comenta a publicitária Vanessa Pinheiro. Ela destaca que o mais preocupante é que esse tipo de mensagem é, na maioria das vezes, absorvido sem uma peneira crítica. 

Para confirmar a tendência, sugere a profissional, basta sentar em frente à tevê e assistir a comerciais como o da pasta de dente que promete um beijo ardente; do celular que promete diálogo e aproximação entre pais e filhos; da calça de grife que faz a usuária roubar todos os olhares na rua; do desodorante que torna o homem irresistivelmente atraente. Enfim, de produtos que vendem o sonho em forma de algo que pode ser comprado logo ali na esquina. 

Homens no shopping 

Uma pesquisa realizada entre julho e agosto deste ano, pelo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi), entrevistou 4.073 pessoas e concluiu que brasileiros e brasileiras compram roupas porque gostam e não porque precisam. O dado mais novo entre os números levantados é que os homens também destinam parte do orçamento pessoal para gastos no shopping, lugar preferido para compras pela maior parte dos entrevistados. 

Segue, abaixo, o resultado da pesquisa: 

•81% das mulheres e 67% dos homens compraram roupa no mês anterior à entrevista 

•2,3 peças foram adquiridas, em média, por cada pessoa 

•38% dos homens e 36% das mulheres realizaram a compra porque precisavam de mais opções 

•37% dos homens e 34% das mulheres fizeram a escolha pela roupa que achavam bonita e atraente 

•A maioria (61% das mulheres e 71% dos homens) saiu de casa especificamente para comprar 

Matéria publicada no Jornal A Tarde por Tatiane

Outros textos disponíveis para leitura: 

Compulsão por compras: 1- 2 - 3 - 4 - Consumo Compulsivo: 1- 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 7 - 8 - Adolescência -  Amigos/Grupos -  Ansiedade - Problemas de Relacionamento - Medos - Pais e Filhos - Autoestima - Depressão

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