Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari
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Carência e baixa autoestima são alguns dos motivos que levam ao endividamento
São muitos os motivos que levam ao endividamento.
Comprar demais para suprir carências ou pagar gastos alheios para garantir
companhia são alguns deles Nunca foi tão fácil conseguir crédito no mercado.
O resultado disso é que o brasileiro está se endividando cada vez mais.
Cerca de 63% das famílias estão devendo e comprometem pelo menos 30%
do salário com dívidas. Este é o resultado de uma pesquisa de endividamento
e inadimplência do consumidor, realizada em abril pela Confederação Nacional
do Comércio (CNC). De acordo com o estudo, 8% não têm condições de quitar
o saldo devedor, chegando a demorar em média 58,8 dias para pagar.
"Há várias razões que levam uma pessoa a se endividar: desde as estritamente
necessárias, ligadas à sobrevivência, até para exibir um status que não
tem, para aliviar a ansiedade ou mesmo ocupar o tempo", diz a psicóloga
Olga Tessari, autora do livro "Dirija Sua Vida Sem Medo" (Edição do autor).
Comprar indiscriminadamente, a ponto de se tornar um devedor por muito
tempo e sem conseguir parar, é considerado uma doença obsessivo-compulsiva
chamada oneomania, que atinge principalmente as mulheres. Não se sabe ao
certo o porquê, mas acredita-se que sejam fatores culturais. "O superendividamento
é uma consequência da compra compulsiva. É uma característica de cada indivíduo
que se apoia no externo para fortalecer a sua imagem. Pode, ainda, estar
ligado à baixa autoestima e por não saber lidar com emoções negativas ou
não souber dizer não a quem pede empréstimo", avalia a psicóloga Tatiana
Filomensky, coordenadora do atendimento de compradores compulsivos do Ambulatório
Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da USP.
Patologias Associadas
Geralmente, o comprador compulsivo tem, também, algum outro transtorno
- como de humor, ansiedade, alimentar- ou dependência de substâncias
químicas (como drogas, medicamentos ou álcool). "Comprar é gostoso. E eles
vão em busca da sensação de prazer. Os problemas se acumulam e os prejuízos
passam do financeiro para o familiar e social. Brigas em casa são constantes",
diz Tatiana Filomensky. Embora percebam que o endividamento está prejudicando
a sua vida, para aliviar a ansiedade, essas pessoas compram cada vez mais.
Mas não conseguem aplacar o sentimento e voltam a ter comportamento compulsivo.
"É um círculo vicioso que traz cada vez mais sofrimento. Para resolver
o problema, é preciso entender os fatores que geram a elevação da ansiedade,
aprender a lidar com eles e superá-los", afirma Olga Tessari.
Note as diferenças
Gostar de comprar não é o mesmo que ser um comprador compulsivo. "Uma
pessoa que se endivida uma vez sofre tanto que vai fugir ao máximo
de novas prestações, por medo do sofrimento vivido. Já o compulsivo quer
aliviar a compulsão comprando cada vez mais, na busca pelo prazer, sem
pensar no futuro", define Olga Tessari. "Uma das minhas pacientes comprou
a terceira torradeira, pois não podia perder uma oferta maravilhosa. Quando
indaguei por que, ela respondeu: 'não resisti, foi mais forte do que eu'",
conta. Tatiana Filomensky já atendeu pacientes com os mais diversos tipos
de problema. Gente que perdeu o apartamento, o carro, uma poupança de R$
100 mil. Para se livrar da compulsão, não há outro remédio senão fazer
um tratamento psicológico e, em alguns casos, psiquiátrico. "Primeiro é
preciso reconhecer que tem a patologia e parar de mentir. Precisa de avaliação
médica correta e adequada, para acabar com os sintomas, e da psicológica,
para entender por que que comprar virou um problema. Analisar as emoções
envolvidas e as situações em que gasta. É preciso entender como lidar bem
com o dinheiro", diz Tatiana Filomensky.
Perfil dos devedores
De acordo com Gilson Luís da Silva, um dos coordenadores do grupo Devedores
Anônimos, de São Paulo, 70% dos frequentadores das reuniões semanais
são compradores compulsivos. "É o perfil mais comum. Compram para acumular
objetos, para saciar a ansiedade. Adquirem coisas para si", diz. Há ainda
os que compram afeto, sustentando os outros, pagando rodadas de bebidas,
se endividando para ajudar. "As pessoas usam de má fé e pedem dinheiro
emprestado, sempre se baseando em alguma história de carência. E os endividados
não sabem dizer não".
Mas há, também, quem contrai dívidas porque não sabe contabilizar
os gastos e administrar o salário do mês –e mesmo cheios de contas para
pagar, continuam gastando mais do que ganham.
Depoimentos
Comprador compulsivo
As dívidas do funcionário público Gilson Luís da Silva, 45, começaram
desde o primeiro emprego, aos 15 anos. "Naquela época, não podia pegar
empréstimo em banco, então, pedia para amigos e parentes", diz. A conta
negativa foi crescendo junto com ele, até que chegou a um ponto em que
já havia perdido muito –inclusive a tranquilidade de sua família. "Não
gosto nem de pensar em quanto já gastei. Comprava de tudo –desde roupas
até eletroeletrônicos. E muitas vezes nem usava. Minha primeira esposa
chegou a desconfiar que eu tivesse amante, pois não sabia como o dinheiro
sumia. Eu não tinha nada palpável para apresentar. Era juros em cima de
juros, uma dívida para pagar outra", relata. Foram necessários 20 anos
para Gilson perceber que não era normal viver todos os meses endividado
e procurar ajuda. Hoje, ele é orientador do grupo Devedores Anônimos de
São Paulo e ensina o que aprendeu em dez anos de participação. "É uma patologia
crônica. A qualquer momento você pode ter uma recaída, principalmente,
por problemas emocionais." diz.
Não sabe dizer não
Lúcia* tem 39 anos e é solteira. Há nove luta contra o impulso de emprestar
dinheiro. "Meu problema não é gastar demais e comprar compulsivamente",
diz. "Eu sou desorganizada com as contas e os gastos. Fui avalista de vários
empréstimos para ajudar aos outros e, naturalmente, não me pagavam e eu
ficava com a dívida." As dívidas de Lúcia equivaliam ao valor de um carro.
Hoje, ela diz que não comete mais deslizes e só empresta o que sobra no
final do mês (quando empresa). "Fazia dívida para pagar outra. As taxas
de juros são altíssimas e eu nem avaliava qual era menor. Percebi que precisava
de ajuda quando assisti a primeira apresentação da novela "O Clone", da
Globo. Nos depoimentos de pessoas compulsivas descobri que eu também
era", explica.
Matéria publicada no site UOL (Estilo/Comportamento) por KATIA DEUTNER
em 22/08/2011
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