Olga Tessari

Palmada em xeque

Entrevista com © Dra Olga Inês Tessari

*Veja indicação de outros textos para leitura ou vídeos no final da página

Congresso reacende polêmica sobre castigos 

Xingões e puxões de orelha podem virar crimes, caso projeto de lei seja aprovado em Brasília 

O projeto de lei que proíbe aplicar castigos corporais às crianças voltou à discussão nesta semana no Congresso Nacional, forçando pais e educadores a refletir sobre a palmada. A proposta, encaminhada em julho de 2010 pelo Executivo, foi debatida na terça-feira em audiência na Comissão Especial sobre a Prática de Castigos Corporais da Câmara. 

A previsão é de que o projeto seja votado em 6 de dezembro. Se aprovado, seguirá para análise do Senado,e os pais podem ser proibidos de dar palmadas ou de causar humilhação a seus filhos. Na audiência desta semana, Daniel Issler, juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça elogiou a iniciativa, mas afirmou que são necessários ajustes na proposta. 

– Ninguém de bom senso irá defender que a violência seja aceitável como forma de educação. A violência não é pedagógica. Mas a educação está muito longe de ser simples – disse o juiz. 

Orientação profissional sobre como agir pode ser solução 

Para especialistas, o uso de castigos corporais é prática superada. O pediatra e psicoterapeuta Hamilton Jair Estanislau, professor do departamento de saúde mental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), observa que, se um pai recorre à palmada, é porque perdeu a autoridade. Nesse caso, a saída é buscar orientação profissional. 

– As crianças, desde muito cedo, percebem nos pais um valor de autoridade. Se passam autoridade, a criança respeita. Se não,a criança se excede e o pai recorre à agressividade – afirma. 

Tania Marques, professora de Psicologia da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembra que a mensagem passada à criança pelo adulto que bate é a de que a violência é forma aceitável de resolver problemas. Segundo ela, resolve na hora porque a criança não quer apanhar, mas, em termos pedagógicos, bater não funciona: – É preciso estabelecer claramente o que é certo e o que é errado. Se a criança riscou a parede, o castigo não deve ser deixar sem televisão, deve ser limpar a parede. 

O projeto em discussão no Congresso prevê penalidades, mas a palmada não será caso de prisão. 

A proposta 

O projeto de lei altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determinando que eles devem ser criados "sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto. 

O projeto define como castigo corporal a ação de natureza disciplinar ou punitiva com uso da força física que resulte em dor ou lesão. O tratamento cruel ou degradante é definido como a conduta que humilhe ou ameace gravemente os pequenos. 

As penas são de caráter educativo: advertência, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica. 

Duas Entrevistas 

1. Carlos Zuma, da secretaria executiva da rede Não Bata, Eduque 

Formada por uma série de entidades de defesa à criança, a rede Não Bata,Eduque apóia a proposta de banir os castigos corporais. Leia a entrevista com Carlos Zuma: 

Zero Hora – O país está atrasado em relação aos castigos corporais? 
Carlos Zuma – Sim. Está arraigada no Brasil a ideia de que o pai pode bater. A gente vê isso até em novela. Como signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o país tem obrigação de proibir os castigos corporais. Mas não é só a lei que muda a cultura, tem de mostrar formas positivas de educar. 

ZH – Que formas seriam essas? 
Zuma – Os pais têm obrigação de educar e disciplinar, mas confundem educação com castigo físico. Eles dizem que batem porque não querem que o filho se transforme em bandido. Queremos mostrar que existem métodos de educar sem necessitar do castigo corporal. Propomos uma educação na qual se explica à criança o que pode e o que não pode. Em última instância, recorre-se a castigos que não sejam físicos e que não humilhem, como deixar a criança cinco minutos no corredor da casa. 

ZH – Quais são as conseqüências do castigo corporal? 
Zuma – A criança tende a reproduzir o modelo. Nos grupos de reflexão que promovemos com homens que batem nas mulheres, 70% relatam que apanharam quando crianças ou presenciaram violência do pai contra a mãe. Quando se bate em criança, ela está sendo disciplinada, mas também aprendendo que pode responder batendo. Há várias consequências: retraimento, dificuldade de aprendizado e baixa autoestima. 

ZH – Adversários do projeto de lei argumentam que ele interfere em uma questão de foro íntimo. 
Zuma – Essa argumentação é estranha, a mesma que surgiu em oposição à Lei Maria da Penha. A Constituição e o ECA dizem que a responsabilidade pelo desenvolvimento das crianças não é só do pai e da mãe, mas de todos. Se há violência, não existe espaço privado. 

2. Olga Inês Tessari, psicóloga e escritora 

A psicóloga Olga Inês Tessari, de São Paulo, vocaliza o pensamento de muitos pais brasileiros que se sentem acossados pelo projeto de proibir os castigos corporais. Confira a entrevista: 

Zero Hora – Quais são as objeções que a senhora faz à proposta de proibir castigos corporais? 
Olga Inês Tessari – Essa lei interfere na educação que os pais dão aos filhos. É óbvio que, se existem pais que agridem, temos de proteger a criança. Mas é um exagero proibir o pai de dar uma palmadinha, para colocar limite, nas situações em que falar não adianta mais ou quando a criança não entende o sentido das palavras, até por causa da idade. Muitas vezes, uma palmadinha na mão para entender que não se pode fazer alguma coisa é o suficiente para resolver. Temos de conter a violência, é claro, do pai que descarrega suas neuroses e raivas no filho. 

ZH – A senhora acredita que a lei trata de forma igual pais que agem de forma diferente? 
Olga Tessari – Exatamente.A lei nivela por baixo. Se observamos qualquer ação violenta de um pai contra a criança, temos a obrigação de denunciar. Não precisamos de lei nova. 

ZH – A senhora entende que a palmada pode ser educativa? 
Olga Tessari – Todo mundo levou palmada na infância e nem por isso virou uma pessoa violenta e traumatizada. A palmada pode ser educativa, quando usada com parcimônia e depois que se esgotaram todos os argumentos. Não é violência. Tem de permitir isso quando for estritamente necessário, o que não significa dar palmada em qualquer caso. 

ZH – Proibir a palmada e punir os pais pode criar problemas dentro da família? 
Olga Tessari – Sim. Estamos criando a ditadura das crianças. Elas podem tudo, e os pais não podem nada. Os pais não vão mais poder educar direito os filhos. As crianças vão poder fazer o que querem e vão aprender que podem tudo. O que vai ser delas no futuro, quando depararem com realidade diferente fora de casa? 

Matéria publicada no Jornal Zero Hora em 20/11/2011

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